A questão que mais me atormentou ao final desse filme é literalmente o seu final: por que diabos o dr. Mindy simplesmente volta para casa? Como é possível que o fim do mundo possa ser simplesmente aceito com tanta naturalidade, abraçado e ninado justamente por aqueles que tanto lutaram para que ele fosse salvo? Se o fim foi tomado pelo McCay como inexorável, à despeito de Fisher, por que a reflexão final dos nossos protagonistas foi a de rezar e afirmar categoricamente que apesar desse fim nós sempre tivemos tudo? É justa e correta a reconciliação pacífica com a desgraça absoluta do fim depois que ela foi simplesmente demonstrada como uma decisão em nome de mais ganhos financeiros?
Com essas questões, voltei ao filme para perceber apenas que, na verdade, ele cai sob suas próprias críticas. O modo como o filme é construído já é ele mesmo um meme; ele é feito para não se levar a sério do início ao final. Ele aponta, rindo, que na verdade a dra. Dibiaski realmente produziu um fiasco na televisão; ri, ainda, do dr. Mandy no meio de uma crise de ansiedade por ter de chegar na televisão e dizer que o fim do mundo está próximo. Afirma categoricamente que a conclusão da história de Dibiaski é correta: produzir um riot em um bar definitivamente não é a melhor opção! A melhor opção é colocar Ariana Grande para cantar a música mais vergonhosa que já vi ser cantada em um filme na minha vida. É tentar pelos meios institucionais disponibilizados pela mesma democracia que elegeu a presidente Janie uma virada que a própria instituição não permite. Ao serem surpreendidos pelo míssil americano que destrói a última opção que tinham de impedir a catástrofe iminente, são surpreendidos na verdade com o evidente erro estratégico da sua própria posição — mas, ao invés de perceberem isso, apenas desligam seus telefones e aceitam a morte sem mais. É difícil argumentar que não haveria tempo para algo mais caso houvesse alguma proposta mais radical — mas a radicalidade já foi desautorizada; a única radicalidade autorizada é aquela dos jovens imbecis revoltados de receber permissão para roubar cerveja numa lojinha. Uma radicalidade ela mesma paródica: o mais revoltado do grupo é na verdade o único cristão de verdade, o único que saberá rezar no momento do agradecimento final ao Deus que os abandonou a todos à completa destruição.
Na segunda olhada, é evidente como que as críticas do filme na verdade servem para ele próprio. O que o filme faz é uma máquina de absorver todas aquelas críticas e rir de si mesmo, rir da sua própria risada. Dar a risada final, parecer mais inteligente do que todos os outros quando, na verdade, a sua inteligência está na capacidade de produzir o ponto mais alto de memetização da realidade que eu jamais vi. Se o problema apresentado no filme é o tempo inteiro de que as coisas não são levadas a sério por rapidamente virarem memes, de rapidamente perderem sua substância concreta e se tornarem mera briguinha virtual: pimba, o filme é exatamente isso de modo espelhado sobre si mesmo. É um filme produzido para que qualquer reflexão real sobre os temas que eles tenta tratar sejam absorvidas para dentro das suas próprias piadas de modo que a única solução possível seja ficar em paz com a desgraça absoluta. A reconciliação final com a miséria é a única coisa que esse filme pode oferecer.
Ah, antes que eu me esqueça: há todo um argumento sobre a comédia que esse filme usa que eu poderia fazer, mas… bem, vejam Yorgos Lanthimos.